Segundo avança o Dinheiro Vivo na edição de hoje, é a primeira ameaça de uma greve na TAP desde que Luís Rodrigues assumiu a liderança da empresa, em abril de 2023. O aviso dos trabalhadores de terra da companhia surge às portas do verão IATA, que arranca a 31 de março. Em causa está o não cumprimento da calendarização das atualizações salariais relativas aos novos acordos de empresa (AE), que deveriam ter sido efetuadas no final de fevereiro.
“Não descartamos a greve. Quando chegar o final deste mês e vier a folha de pagamento e as pessoas identificarem que, mais uma vez, não vem lá nada as coisas são inevitáveis”, assegurou ao Dinheiro Vivo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (SITAVA). Paulo Duarte garante que existe “uma perda de confiança” na administração da transportadora aérea.
A paz social, que custou meses de negociações e cedências à equipa de Luís Rodrigues, pode estar agora em causa. Depois de concluir a assinatura dos novos AE com os vários sindicatos, e da respetiva publicação de uma parte dos mesmos no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE), a promessa era a de que as atualizações chegariam em fevereiro.
No dia 21, a poucos dias do fim do mês, o CEO da TAP enviou um comunicação interna aos trabalhadores, a que o Dinheiro Vivo teve acesso, a justificar a impossibilidade de cumprir os timings alegando ser “humanamente impossível respeitar o calendário” uma vez que as alterações decorrentes dos novos AE “implicam um processo massivo de parametrização dos sistemas” e de “um número gigantesco, nunca antes visto ou feito, de alterações simultâneas e ajustes complexos aos processamentos salariais”.
Até à data, apenas os pilotos, que assinaram o novo AE em junho de 2023, auferiram as atualizações salariais na íntegra. Os tripulantes receberam, no final de fevereiro, parte dos montantes negociados mas há rubricas que só serão pagas em março, ao contrário do que estava inicialmente previsto.
O presidente do SITAVA lamenta o diferente tratamento entre as várias classes profissionais por parte da administração e atesta que o argumento apresentado por Luís Rodrigues não convence. Para o dirigente estes atrasos podem ser um sinal de problemas na liquidez da tesouraria da empresa.
“Geralmente costuma-se dizer que “em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”. Espero que não seja o caso, de esta ser uma casa onde começa a não haver pão. Para nós é esquisita a história das dificuldades técnicas, há para uns e não há para outros? Quando, desde julho do ano passado, altura em que assinámos o acordo, já sabíamos que este era o desígnio”, diz.
No comunicado interno, o também chairman da TAP refere que a situação deverá estar regularizada num prazo “de dois ou três meses” apontando para maio o acerto final das contas. Posteriormente a esta nota, a nova diretora de Recursos Humanos da TAP, Joana Machado, reuniu com os vários departamentos da empresa e adiantou que o objetivo seria realizar parte das atualizações em março e concluir o processo em abril.
Num desses encontros, sabe o Dinheiro Vivo, a antiga chefe de gabinete de Luís Rodrigues chegou a pedir aos trabalhadores para “não serem invejosos” face aos profissionais que já estão a ser pagos de acordo com as novas grelhas salariais dos AE. As palavras não foram bem recebidas pelos trabalhadores que lamentam a postura da responsável.
Já o Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) refere que o novo calendário apresentado pela TAP “não satisfaz” os 700 associados e lamenta que este “não seja mais ambicioso”. A estrutura sindical diz compreender “que as pessoas [dos RH] não são elásticas” mas afiança que, em caso de incumprimento das novas datas anunciadas, haverá consequências.
“Não quero acreditar que este novo calendário não seja cumprido. Se não for cumprido, aí vamos ter problemas, com certeza. As pessoas já não aguentam, tiveram uma expetativa que foi criada que era a de que no final do mês passado as coisas estariam regularizadas, não aconteceu. A empresa criou outra expetativa agora que é pouco ambiciosa mas que seja realista, pelo menos. Se isso não se vier a cumprir aí terão de haver medidas mais drásticas, as pessoas não vão aguentar a situação. Mas esperemos que se cumpra”, adianta o presidente Jorge Alves.
Do lado dos tripulantes, falta regularizar as variáveis referentes aos dias de trabalho e aos retroativos de novembro. “Não ficando felizes [com o adiamento das atualizações] sabemos que era um risco. Tentou-se solucionar da melhor maneira e não sendo a perfeita é aquela que é a aceitável. Aceitamos que exista esta dificuldade informática nas variáveis que são novas”, explica o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Ricardo Penarroias.
Contactada, a TAP não quis adiantar esclarecimentos, garantindo apenas “estar em contacto direto e permanente com os trabalhadores e com os sindicatos que os representam”.
Os trabalhadores alertam que com a operação de verão à porta é essencial ter os vencimentos atualizados e os novos AE em vigor de forma a manter os recursos humanos na companhia. Jorge Alves diz que têm sido “dados passos na organização interna para o verão” mas, ainda assim, a companhia não tem conseguido contratar técnicos de manutenção de aeronaves.
“Conseguiu-se que poucas pessoas voltassem à empresa, algumas que tinham saído, mas ainda não é suficiente. A capacidade de contratar é diminuta e o mercado está muito ocupado e quente”, enquadra. O presidente do SITEMA elogia o facto de a TAP estar a reforçar as formações na área de TMA mas alerta que estas “só darão frutos daqui a uns anos”, uma vez que cada profissional precisa de um período de cinco anos para obter alguma autonomia.
“Estes profissionais são formados internamente e seguem o seu percurso depois. É importante ter condições atrativas para que essas pessoas se sintam bem e não vão embora passado pouco tempo e para que não estejamos a formar gente para o estrangeiro e para empresas da concorrência, como aconteceu durante anos. Como não somos competitivos a nível salarial, as pessoas aprendem aqui e vão aplicar os conhecimentos noutro lado”, explica, sublinhando que o novo AE assinado com a transportadora aérea “não é perfeito e não trará as pessoas em barda de volta” mas irá “reter a saída dos profissionais”.
“Se a empresa normalizar os pagamentos que faltam teremos todas as condições para um verão mais ou menos tranquilo. O verão anterior não correu mal e não havia tantas condições nem organização como existe neste momento”, acrescenta.
Já o SNPVAC estima que possam faltar tripulantes de cabine na época alta. A companhia negociou com estes profissionais uma maior flexibilidade de horários em troca de aumentos salariais de forma a não ter de contratar mais tripulantes nos próximos meses.
“Com o acordo o objetivo da companhia era de zero contratações. No entanto, tenho algumas dúvidas que isso seja realmente possível. Acredito que a companhia neste verão de 2024 queira pagar para ver, vai tentar perceber se o acordo em si justifica ou não a contratação de mais tripulantes. É bem provável que este verão possamos ter alguma situação de défice de tripulantes. Estamos todos na expetativa para perceber, na prática, qual é ou não o sucesso do próprio acordo”, remata Ricardo Penarroias.