A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) reconhece uma “tendência crescente dos incumprimentos” das regras sobre voos noturnos nos aeroportos portugueses, tendo aplicado coimas de quase seis milhões de euros só no primeiro semestre deste ano.
Em resposta à Lusa, a ANAC adianta que instaurou, até julho deste ano, 75 processos de contraordenação contra dez transportadoras aéreas.
Simultaneamente, no mesmo período, a reguladora aérea deu por concluídos 143 processos de contraordenação – que dizem respeito a infrações praticadas em anos anteriores –, que resultaram na aplicação de coimas no montante global de 5.998.400 euros.
As companhias aéreas em causa realizaram voos noturnos ou aterraram ou descolaram fora dos limites diários ou semanais fixados na portaria que impõe restrições ao tráfego aéreo durante a madrugada, por motivos de ruído.
As contraordenações, em regra, dizem respeito “a um número significativo de vários incumprimentos de faixas horárias e restrições noturnas”.
A ANAC realça que ainda nem todos os processos transitaram em julgado, pelo que alguns são suscetíveis de recurso judicial.
Em 2023, foram instaurados 202 processos de contraordenação a 57 companhias aéreas, tendo sido aplicadas coimas no valor de 266.200 euros.
A ANAC não detalha em que aeroportos ocorreram as infrações em causa, mas é sobre o Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, que tem recaído o maior número de críticas, dada a proximidade ao centro da cidade.
De acordo com a legislação em vigor, o tráfego noturno no aeroporto de Lisboa é restringido entre as 00:00 e as 06:00, sendo que o número de movimentos aéreos permitidos neste período é de 91 por semana, num máximo de 26 por dia.
Ora, a associação Zero contabilizou, só nas duas últimas semanas de agosto, 115 voos acima do permitido.
Esta e outras associações ambientalistas e cívicas já manifestaram à Câmara Municipal de Lisboa a sua oposição à expansão ao Humberto Delgado, enquanto não é construído o novo aeroporto.
Já esta quarta-feira, o executivo da Câmara de Lisboa aprovou por unanimidade uma moção em que defende a redução do número de movimentos por hora do Aeroporto Humberto Delgado, recusando qualquer aumento da capacidade aeroportuária e pugnando pelo encerramento definitivo da infraestrutura “em menos de 10 anos”.
No texto, que resultou da junção de propostas do PCP e da liderança PSD/CDS-PP, com a consensualização do documento entre todas as forças políticas, é defendida “a necessidade de reduzir o número de movimentos por hora e recusar liminarmente qualquer aumento da capacidade aeroportuária do Aeroporto Humberto Delgado, atendendo aos impactos negativos muito significativos sobre a cidade de Lisboa, que já hoje são sentidos pela população, nomeadamente ao nível da saúde pública, da segurança e do ambiente”.
A “eliminação dos voos noturnos” e o encerramento do aeroporto de Lisboa “tão rapidamente quanto possível, em menos de dez anos”, são igualmente defendidos pelo executivo municipal, que recusa “qualquer aumento de capacidade” ou do tráfego e considera que as obras de expansão, aprovadas pelo atual Governo, “são inaceitáveis”.
Questionado pela Lusa, o Ministério das Infraestruturas e Habitação realçou que “existem exceções às restrições” de voos no período da madrugada, nomeadamente voos de Estado, humanitários e de emergências médicas, bem como atrasos relacionados com problemas de segurança ou falhas técnicas.
A tutela sublinhou, no entanto, que o tema “é estritamente monitorizado pela Autoridade Nacional da Aviação Civil”.
A ANAC nota que, “sem prejuízo da atividade sancionatória”, a sua “prioridade” tem sido trabalhar com os agentes envolvidos “de modo a mitigar a causa raiz destes incumprimentos”, garantindo, simultaneamente, o desenvolvimento sustentável do setor, a proteção dos passageiros e o bem estar das populações.
De acordo com os dados enviados à Lusa, o valor das coimas aplicado entre 2018 e 2022 representou um décimo do valor aplicado só neste ano e, comparando-o com o número de 2023 (266.200 euros), o valor das coimas aumentou quase 23 vezes em 2024 (até julho), tendo presente que diz respeito a infrações cometidas em anos anteriores.