O Tribunal de Contas (TdC) concluiu que a privatização da ANA desrespeitou a lei, por ter sido feita sem avaliação prévia e sem cálculo do preço base, requisitos que asseguravam maior transparência e concorrência.

“O exame desta evidência [os documentos disponibilizados pelo Governo sobre a venda] revela que a ANA foi privatizada sem avaliação prévia e sem ter sido calculado o respetivo preço base, tendo sido desrespeitados os termos legais aplicáveis, pela não sujeição do processo a um dos requisitos que asseguravam ‘maior transparência e concorrência, em linha com as boas práticas europeias’, contrariando o anunciado”, lê-se no relatório da auditoria feita pelo Tribunal de Contas (TdC) à privatização da ANA, a que a Lusa teve hoje acesso.

A venda de 100% do capital da ANA Aeroportos à Vinci foi iniciada em 2012 e concluída em 2013 pelo Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho, no âmbito de um pacote de privatizações que incluiu também os CTT, a REN, ou a TAP, neste último caso depois parcialmente revertida pelo Governo seguinte do PS (com apoio parlamentar do PCP, BE e PEV), liderado por António Costa.

Naquela altura, Portugal estava a ser alvo de um programa de assistência financeira negociado entre a ‘troika’ e o Governo.

De acordo com o relatório de auditoria do TdC à privatização da ANA, a empresa veio a ser objeto de avaliação pelo BIG, mas o respetivo relatório é de 21 de dezembro de 2012, quando o processo de privatização tinha sido iniciado em setembro e aprovado em 29 de outubro, “não se tratando, por isso, da avaliação prévia legalmente exigida”.

Para o TdC, a “urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respetivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência e equidade (igualdade de oportunidade para todos os potenciais investidores), bem como à maximização do seu encaixe financeiro”.

Entre aquelas condições em falta, apontou o TdC, estiveram o quadro jurídico geral da concessão, a constituição de uma comissão especial de acompanhamento ao processo, a celebração dos contratos de concessão, a avaliação da ANA, a plena titularidade dos terrenos afetos à concessão (da Câmara Municipal de Lisboa) e a integração dos aeroportos da Madeira.

O TdC apontou ainda que “o Estado foi lento a aprovar o ‘regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e segurança nacional e a segurança de aprovisionamento do país em serviços fundamentais para o interesse nacional’, mas lesto a promover a execução do processo de privatização da ANA sem esse respaldo legislativo”.

Para aquela instituição, o Estado decidiu a venda integral da ANA, “em contexto adverso (com urgência, em situação recessiva), enquanto a maioria dos países da União Europeia manteve participação no capital social das entidades gestoras aeroportuárias”.

O TdC realçou ainda que não foi apresentada evidência de outra fundamentação para o Governo de então ter decidido deixar de ter participação acionista da ANA “que não a de pretender maximizar o encaixe financeiro, a curto prazo e em contexto adverso, tendo, para isso, colocado os aeroportos do país sob gestão de uma única empresa privada”.

“Tal decisão, ao contrário do declarado pelo Governo, aportou risco material, designadamente para a regulação do setor, dado o contexto de monopólio em que a ANA opera”, sublinhou o tribunal.